Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo...
lá vem o amor nos dilacerar de novo...
Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.
Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se no símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.
Caio F. - O Estado de S. Paulo, 08/07/86.
5 comentários:
Daniel, muito bom o texto. Estou seguindo você.
Se me permite, discordo apenas do ponto em que vc afirmar se uma declaração de amor: "meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado". Há aqui o tal extremo da paixão, mas não amor, pelo simples fato de que amor é vida e não morte.
Um abraço e saiba: gostei demais de chegar até aqui.
Marcio Nicolau
www.espacointertextual.blogspot.com
Sabe que eu já tinha pensando exatamente essas coisas do primeiro parágrafo? As vezes, pode ser horrivel pensar assim, mas o fim do amor pode ser mais trágico que a própria morte dependendo da dimensão, do espaço que aquilo tem dentro de uma pessoa. Ela morre e continua viva, como uma sombra.
Eu sou adpeta do amor romântico, acredito piamente dele. E concordo com essa parte de que hoje em dia as pessoas julgam "careta, cafona" o amor. As relações, assim como o tempo estão rápidas demais, como as novas tecnológias, muito rápido, muda rápido, e sempre vão procurando artificios para inovar.
Falar sobre amor é sempre complicado. Essa fronteira onde vc se perde e começa a depender do outro é quase invisível e na maioria das vezes é ultrapassada. Amor não se aprende. Livros de auto-ajuda nunca vão ajudar no amor. É como respirar, e só.
Mas um detalhe, agora que vi que a imagens é a Effy e o Freddie.
achava tão lindo o modo como ele se esforçou pra tirar ela da loucura na quarta temporada.
ashuas
beijos.
Muito legal.
O amor sempre em questão.
O amor em que estão?
morremos e nascemos e morremos pelo/para/do/através do amor.
:****
Adoro o Caio. Ótima escolha. Estou seguindo seu blog, se me permite. Já li quase todas as suas postagens.
Abraços,
Dayane Ribeiro
Postar um comentário