domingo, 4 de maio de 2014

Frosty Spark

~fragmento~



Devia ser inverno em Liverpool. Dizem que por lá sempre faz frio. Eu ficava imaginando Ana abrindo a janela pela manhã e respirando os mesmos ares que John Lennon respirou um dia. Em uma manhã como essa, perdidos entre os lençóis, os seios dela expostos, o meu pau murcho sobre suas coxas, foi em uma manhã assim que Ana me deixou. Abraçados entramos embaixo do chuveiro. As mãos dela ensaboaram o meu corpo. Dividimos alguns pingos d'água escassos que caiam por vezes gélidos sobre nós. Nos enrolamos em uma única toalha, sentindo próximos o calor e a textura de nossos pelos e peles molhados. Fui preparar o café enquanto Ana se vestia. Ao entrar na cozinha, ela deu-me um beijo com gosto de dentes recém escovados. Comemos meia dúzia de biscoitos com manteiga, alguns goles de café preto sem açúcar. Fui até a porta buscar o jornal e quando me virei, Ana estava às minhas costas. Deu-me outro beijo, acompanhado de um sorriso breve e saiu pra trabalhar. Duas semanas depois, ao abrir a caixa de correio, encontrei um postal do Palácio de Buckingham. Só deus sabe o quanto difícil foi enfrentar noites, dias e finais de semana inteiros sem Ana. Sentia uma dor quente e branda na boca do estômago toda vez que chegava em casa e me deparava com o apartamento vazio. Nas ruas, as pessoas passavam por mim como verdadeiros espectros e era entre essas sombras que eu encontrava evidências de Ana, sempre envolta em ares de mistério. Por vezes, ela me olhava cúmplice em meus sonhos, passava a mão entre os meus cabelos e dizia "eu te amo" como se dissesse "comprei um sabonete". Então, meu chão declinava, algumas vozes me traziam de volta trêmulo, a boca arrebentada. Sou eu o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street na voz do Sting e chora. Te vejo tão perto, mas te sinto tão longe.

(Daniel Braga)

Um comentário:

Ur!3L disse...

Hermano. Hermoso y doloroso texto. Meus parabéns. A essência de um texto comme il faut, como deve ser. Inspiração.