terça-feira, 23 de dezembro de 2008

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Meu amigo Pedro era uma pedra na vida deles.
Como um pedaço solto de coragem,
nem bem crescido ainda, saiu, lutou e morreu.
Morreu assim como um corpo arrebentado, esticado, dividido.
Morreu como um afogado, agonizando, torturado.
Morreu como seu pai, desaparecido.
Mas ninguém esperava que ele fosse reviver.
Ninguém esperava que ele fosse mais
do que aquele monte de carne e osso que sobrou
depois de dois dias nas salas escuras,
depois de dois dias de choques, água fria, pauladas, perguntas.
Ninguém esperava que Pedro fosse de pedra.
Que pedra pode estar parada, inerte,
mas pode ser pedra no ar, arremesso, tiro, vidro estilhaçado...
Que pedra pode ser raiva na multidão,
pode ser fogo, fome, febre,
pedra pode ser mais!
Porque carne é mais que pedra,
e Pedro é mais que carne...
Que não adianta represar os rios se não se pode parar a chuva.
Ninguém esperava que seus amigos, irmãos, todos,
todos soubessem de tudo,
mas que não podiam fazer nada.
Que a diferença de Pedro e nós
é a mesma de um assaltante de bancos e um batedor de carteiras.
Mas o tempo é o melhor remédio, e o tempo tudo cura.
Mesmo as feridas deixadas por Pedro.
Menos as que em seu corpo permaneceram
depois que ele ficou ali num canto da sala
agonizando enquanto seus algozes tomavam café!
Mas o que eu quero dizer,
é que ninguém esperava que eu,
justamente eu, filho da mesma noite,
contasse essa história!
(Trecho de "Bailei na Curva")

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Ao Rio

De que adianta
o Pão de Açucar ser tão grande,
se não podemos
dá-lo de comer a quem tem fome?
DB

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Além do Ponto

Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso. Teve uma hora que eu podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse um táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque, e eu pensei com força então que seria melhor chegar molhado da chuva, porque aí beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos, e fumaríamos beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pêlos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d'água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, que me abriria a porta, o sax gemido ao fundo e quem sabe uma lareira, pinhões, vinho quente com cravo e canela, essas coisas do inverno, e mais ainda, eu precisava deter a vontade de voltar atrás ou ficar parado, pois tem um ponto, eu descobria, em que você perde o comando das próprias pernas, não é bem assim, descoberta tortuosa que o frio e a chuva não me deixavam mastigar direito, eu apenas começava a saber que tem um ponto, e eu dividido querendo ver o depois do ponto e também aquele agradável dele me esperando quente e pronto.
Um carro passou mais perto e me molhou inteiro, sairia um rio das minhas roupas se conseguisse torcê-las, então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa tipo mas como você está molhado, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me chamava, eu só ia indo porque ele me chamava, eu me atrevia, eu ia além daquele ponto de estar parado, agora pelo caminho de árvores sem folhas e a rua interrompida que eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta, chegando muito perto agora, tão perto que uma quentura me subia para o rosto, como se tivesse bebido o conhaque todo, trocaria minha roupa molhada por outra mais seca e tomaria lentamente minhas mãos entre as suas, acariciando-as devagar para aquecê-las, espantando o roxo da pele fria, começava a escurecer, era cedo ainda, mas ia escurecendo cedo, mais cedo que de costume, e nem era inverno, ele arrumaria uma cama larga com muitos cobertores, e foi então que escorreguei e caí e tudo tão de repente, para proteger a garrafa apertei-a mais contra o peito e ela bateu numa pedra, e além da água da chuva e da lama dos carros a minha roupa agora também estava encharcada de conhaque, como um bêbado, fedendo, não beberíamos então, tentei sorrir, com cuidado, o lábio inferior quase imóvel, escondendo o caco do dente, e pensei na lama que ele limparia terno, porque era a mim que ele chamava, porque era a mim que ele escolhia, porque era para mim e só para mim que ele abriria a sua porta.
Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorri mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca.


(Caio Fernando Abreu - Morangos Mofados)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"Eu gostava tanto dessas palavras que começam com in - invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Eu próprio sou inteiro o oposto do que deveria ser."

terça-feira, 14 de outubro de 2008

104 que Contam

Olá, amigos!!!!

Convido vocês para o lançamento da antologia "104 que Contam", organizada pelo Charles Kiefer. Participo da antologia com um de meus contos.

Se puderem, apareçam.



Quando? 21 de outubro de 2008, 19 horas.

Onde? Na Feira do Livro de Porto Alegre, Memorial do Rio Grande do Sul

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Cazuza fala por mim


Meu partido
É um coração partido
Minhas ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Frequenta agora as festas do "Grand Monde"

Meus heróis morreram de overdose
Os meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver

O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
(Saber quem eu sou)
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Agora assiste a tudo em cima do muro

Meus heróis morreram de overdose
Os meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Frida


"A cama acolhe nossas enfermidades, é o ninho de nossos sonhos, o campo de batalha do amor. (...)"
Frida Kahlo

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Pedra, Papel e Tesoura


Depois de uma longa espera, eis que nasce o filho!

Estão todos convidados para o lançamento da antologia "Pedra, Papel e Tesoura", que ocorrerá em Porto Alegre no próximo dia 26, no Cult Pub. Contribuo para a obra com três contos, resultado do curso de extensão em criação literária ministrado pelo Profº Luiz Antonio de Assis Brasil, cujo concluí ano passado.

Agora falta-me apenas ensaiar o autógrafo.

Grande abraço!!!!

quarta-feira, 23 de julho de 2008

"Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando os problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!"
(Mario Quintana)

terça-feira, 3 de junho de 2008


"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos."

(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 13 de abril de 2008

Quando Eu Estiver Cantando

Se um dia me perguntarem se eu admiro alguém de verdade, não posso de maneira alguma deixar de citar três pessoas. São elas, Renato Russo, Cazuza e Caio Fernando Abreu.

Muito parecidos, mas também distonantes entre si, há neles características indispensáveis e cada vez mais raras no ser humano... a sensibilidade, a garra, a sabedoria e a intensidade em entregar-se a aquilo que vive.

Talvez, em uma frase escrita por um deles, Caio F., possamos compreender melhor aquilo que os une, aquilo que os aproxima, seja na arte ou na vida.

"Continuo a pensar que quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo”.

E pra vocês, esse vídeo do Renato Russo cantando Cazuza. Lindo!

terça-feira, 11 de março de 2008

Nada será em vão!

"Quero, um dia, dizer às pessoas que nada foi em vão... Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e às pessoas, que a vida é bela sim e que eu sempre dei o melhor de mim... e que tudo valeu pena." (Mário Quintana)