sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Uivo

por Allen Ginsberg

Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa, "hipsters" com cabeça de anjo ansiado pelo antigo contato celestial com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,

que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz,

que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cômodos,

que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de William Blake entre os estudiosos da guerra,

que foram expulsos das universidades por serem loucos & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,

que se refugiaram em quartos de paredes de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas de papel, escutando o Terror através da parede,

que foram detidos em suas barbas púbicas voltando por Laredo com um cinturão de marijuana para Nova York,
(...)

que se acorrentaram aos vagões do metrô para o infindável percurso do Battery ao sagrado Bronx de benzedrina até que o barulho das rodas e crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca arrebentada e o despovoado deserto do cérebro esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do Zoológico,

que afundaram a noite toda na luz submarina de Bickford's, voltaram à tona e passaram a tarde de cerveja choca no desolado Fuggazi's escutando o matraquear da catástrofe na vitrola automática de hidrogênio,

que falaram setenta e duas horas sem parar do parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao Museu à Ponte de Brooklyn,
(...)

que deram voltas e voltas à meia-noite no pátio da estação ferroviária perguntando-se onde ir e foram, sem deixar corações partidos,

que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões de carga, vagões de carga que rumavam ruidosamente pela neve até solitárias fazendas dentro da noite do avô,

que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia e bop-cabala pois o Cosmos instintivamente vibrava a seus pés em Kansas,

que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando anjos índios e visionários que eram anjos índios e visionários,
(...)

que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos, nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,

que morderam policiais no pescoço e berraram de prazer nos carros de presos por não terem cometido outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,

que uivaram de joelhos no Metrô e foram arrancados do telhado sacudindo genitais e manuscritos,

que se deixaram foder no rabo por motociclistas santificados e urraram de prazer,

que enrabaram e foram enrabados por esses serafins humanos, os marinheiros, carícias de amor atlântico e caribenho,

que transaram pela manhã e ao cair da tarde em roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livremente seu sêmem para quem quisesse vir,

que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar mas acabaram choramingando atrás de um tabique de banho turco onde o anjo loiro e nu veio atravessá-los com sua espada,

que perderam seus garotos amados para as três megeras do destino, a megera caolha do dólar heteressoxual, a megera que pisca de dentro do ventre e a megera caolha que só sabe ficar plantada sobre sua bunda retalhando os dourados fios intelectuais do tear do artesão,
(...)

que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas trêmulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos no dia seguinte mesmo assim prontos para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas nos celeiros e nus no lago,

que foram transar em Colorado numa miríade de carros roubados à noite, N.C. herói secreto destes poemas, garanhão e Adonis de Denver - prazer ao lembrar das suas incontáveis trepadas com garotas em terrenos baldios & pátios dos fundos de restaurantes de beira de estrada, raquíticas fileiras de poltronas de cinema, picos de montanha, cavernas ou com esquálidas garçonetes no familiar levantar de saias solitário à beira da estrada & especialmente secretos solipsismos de mictórios de postos de gasolina & becos da cidade natal também,
(...)

que sonharam e abriram brechas encarnadas no Tempo & Espaço através de imagens justapostas e capturaram o arranjo da alma entre 2 imagens visuais e reuniram os verbos elementares e juntaram o substantivo e o choque de consciência saltando numa sensação de Pater Omnipotens Aeterni Deus,

para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e ficaram à sua frente, mudos e inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados todavia expondo a alma para conformar-se ao ritmo do pensamento na sua cabeça nua e infinita,

o vagabundo louco e Beat angelical no Tempo, desconhecido mas mesmo assim deixado aqui o que houver para ser dito no tempo após a morte,

e se reerqueram na roupagem fantasmagórica do jazz no espectro de trompa dourada da banda musical e fizeram soar o sofrimento da mente nua da América pelo amor num grito de saxofone de eli eli lama lama sabactani que fez com que as cidades tremessem até seu último rádio,

com o coração absoluto do poema da vida arrancado para fora dos seus corpos para comer por mais mil anos.

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